Galeno: uma harmonia não encucada

Às vezes, torna-se difícil separar a arte popular – que também não é, tampouco, a primitiva ou naïve – da produção erudita. Nesta exposição, somos confrontados com um caso. Trata-se de Galeno, pintor nascido no Piauí mas residente desde os 4 anos em Brasília. A partir da década de 1980, Galeno frequenta salões de arte (onde conheci seu trabalho) e circuitos de exposição decididamente eruditos. Existem, entretanto, em sua pintura, vários elementos que a deixarão à vontade perto das demais obras da Galeria Pontes, que se dedica de preferência ao segmento popular.

As soluções formais de Galeno – sobretudo a inteligente geometrização, a depuração de seu figurativismo (de resto tão lírico e intimista) – não me deixam dúvida quanto a considerá-lo erudito. Ao mesmo tempo, se de fato conhece bem a história da arte, ele não passou por um tipo de aprendizado técnico/estético que nos permitisse o uso do termo erudito em sentido estrito. Pelo mesmo motivo, não se insere nas tendências típicas de outros pintores de sua geração – que, quer figurativos, quer abstratos, se ligaram majoritariamente à tensão expressionista.

Na arte de Galeno não há drama. Seus temas bebem nas memórias da infância, as pipas com que brincava no vento forte do planalto central, os utensílios da mãe costureira (os carretéis são uma constante em sua iconografia), até os camaleões que tomavam sol, nas pescarias a que ia com o pai. Tudo isso aflora com um colorido extremamente harmonioso e uma visível espontaneidade não encucada. A própria geometria de Galeno é intuitiva, não tem nada de cerebral.

Ausente de São Paulo há muitos anos (onde expôs sempre com sucesso), eis Galeno de volta, para reassegurar-nos de seu talento e sua poesia.

Olívio Tavares de Araújo

Paralelamente foi exibido o filme: Galeno, Curumim Arteiro, dirigido por Marcelo Diaz.