Às vésperas de completar o seu primeiro aniversário, a Galeria Pontes apresentou a exposição Mecânica inexata.

Concebida e realizada pelo jovem e competente curador Jacopo Crivelli Visconti, a mostra contou com a participação de artistas nossos e de outras galerias. Os trabalhos expressaram a ideia de movimento em máquinas e engenhocas fantásticas, como o cata-vento de Zezinho, a obra de Milton Marques, as fotos de Marcos Chaves, a escultura de Mestre Eudócio, com um resultado um harmonioso, através do casamento entre as artes popular e a contemporânea.

Como diz Jacopo, existe também uma mecânica inexata, emotiva e menos séria, que se lembra de estudar as forças em movimento apenas quando é agarrada pelo sopro do vento, ou ainda uma mecânica poética, que pode encantar-se com bicicletas coloridas e festivas, mas desconexas, desmontadas e recicladas, e que contudo, sabe-se lá por que mistério, continuam a andar.

Fiquei muito feliz com essa mostra e por ver que a galeria, em tão pouco tempo de existência, moldou e definiu, a cada exposição, seu perfil próprio no mercado de artes de São Paulo, sempre na busca de realizar a sua vocação de criar pontes de diversas naturezas.

IDÉIAS EM MOVIMENTO

A mecânica, dizem-nos os dicionários, é o ramo da Física que se dedica ao estudo de forças em movimento. A imaginamos como um mundo feito de engrenagens, polias, roldanas e alavancas; um mundo que desconhece desperdícios e contrassensos, domínio de mecanismos milimetricamente calibrados, regulados metódica e cuidadosamente para encontrar-se, no momento exato, no lugar pré-estabelecido.

Existe, porém, também uma mecânica emotiva, mais jocosa, menos séria, sempre atrasada. Uma mecânica distraída, que se lembra de estudar as forças em movimento apenas quando é agarrada pelo sopro do vento, ou quando transforma imagens anônimas e imóveis num filme que fascina, paradoxalmente, porque exibe o próprio movimento que lhe dá vida. Uma mecânica que ousa ser poética, encantar-se com as bicicletas coloridas e festivas, mas desconexas, desmontadas e recicladas, e que contudo, sabe-se lá por que mistério, continuam a andar. Uma mecânica perpétua, fascinada pelo movimento infinito de máquinas que se põem em marcha, ou a soar, e não param mais, porque seu movimento é imóvel: é o movimento da imaginação e do sonho, das criaturas fantásticas e dos sons inaudíveis, que ecoam e passeiam para sempre na lembrança. Uma mecânica, acima de tudo, aproximada, não rigorosa: enfim, uma mecânica inexata.

Por ser assim, exatamente assim, com as bordas desfiadas e desfocadas, esta mecânica vem a ser um ótimo mote para uma exposição. Inclusive porque permite que, ao falar dela, se fale, metonimicamente, de outra coisa, de algo intangível, e que portanto nada tem a ver, à primeira vista, com a mecânica. Se fale, isto é, da necessidade de recompor a fratura, recente e desnecessária, que divide a prática artística em mundos separados, que deveriam voltar a ser aproximados e entendidos, assim, de outra forma. Da convicção de que a proximidade de obras e pensamentos distintos é saudável e desejável, é o que molda e define o espírito de uma nação, de uma cultura. Se fale, enfim, do desejo de uma convivência mais frequente, de uma troca fecunda e continua de ideias, que faz com que, em última instância, esta outra coisa não fique tão longe assim da mecânica como parecia, já que o que ela propõe e deseja é apenas que a força das ideias esteja, constantemente, em movimento.

Jacopo  Crivelli Visconti

 

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